🌹💀 ROSA CAVEIRA 💀🌹
A sombra da vela tremia nas paredes úmidas.
O cheiro de cera queimada e aguardente enchia o ar.
Lá no fundo, sentada num banco de madeira carcomida,
Ela fumava devagar, a brasa do cigarro refletindo no rosto queimado.
Ninguém ousava encará-la por muito tempo.
Diziam que quem olhasse demais nos olhos dela
Podia ver o próprio destino,
E nem sempre era coisa boa.
🔥💀🔥
— Rosa Caveira... Por que esse nome?
Porque fui flor e agora sou osso.
Porque já fui bela e agora sou assombração.
Porque o que me mataram, eu mesma desenterrei.
— Como queimou o rosto?
Foi o amor que me queimou.
O amor e a traição, porque um nunca anda sem o outro.
— Quem a senhora foi antes disso?
Fui moça feita pra casar.
Filha de gente de nome,
Criada pra sorrir e baixar os olhos.
Meu pai, coronel de terras e gado.
Minha mãe, sombra de um homem que nunca a amou.
E eu, promessa de aliança e herdeiros.
Mas o destino, ah... o destino sempre ri dos planos dos homens.
— O que aconteceu?
Me dei a um homem que me prometeu o céu,
E me jogou no inferno.
Era malandro de palavra doce,
De olhar que fazia a pele queimar,
E eu, tola, entreguei meu coração sem pestanejar.
Fugimos.
Larguei tudo.
Família, nome, futuro.
Fizemos juras de amor no pé do cruzeiro,
E ele disse que ia me dar o mundo.
Mas o mundo dele era sujo.
Era de faca na cintura e olhar de lado.
E uma noite, voltando pra casa,
Senti o cheiro de outro perfume no nosso leito.
Eram duas taças de vinho sobre a mesa.
Duas.
E eu não tinha bebido nenhuma.
Meu coração gelou.
Abri a porta devagar,
E lá estava ele.
Entre as pernas de outra,
Jurando pra ela o mesmo amor que me jurava.
— E o que a senhora fez?
Sorri.
Sorri porque a dor quando é grande demais,
Vira riso, vira loucura, vira sentença.
Fui até o lampião.
Peguei o azeite.
Joguei em cima de nós três.
Ele gritou.
Ela gritou.
Mas eu só ri.
E joguei o fósforo.
🔥🔥🔥
— E então?
A brasa lambeu meu rosto,
O cheiro de carne queimada encheu o quarto,
E no meio do fogo eu ouvi o riso da morte.
Mas não morri.
Fui cuspida pelo inferno,
Marcada,
Feita de cinza e ódio.
Fugi.
Me enterrei nos becos, nas vielas, nos terreiros esquecidos.
Fiz amizade com as bruxas de saia rodada,
Com as velhas de olho de vidro,
Com as que falavam com os mortos e faziam os vivos tremerem.
Aprendi magia no sangue e na dor.
Comi o pão que o diabo amassou e ainda pedi mais.
E um dia, quando o espelho me mostrou o que eu era,
Eu ri de novo.
Porque eu não era mais moça.
Não era mais amante.
Não era mais promessa de felicidade alheia.
Eu era Rosa Caveira.
E nunca mais ninguém me queimou.